sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Com que cerimônias matam e comem seus inimigos. Como os matam e como os tratam

AULA 2 - DOCUMENTO 1: Com que cerimônias matam e comem seus inimigos. Como os matam e como os tratam (Hans Staden, 1557) ::: Quando trazem para casa os seus inimigos, as mulheres e as crianças os esbofeteiam. Enfeitam-nos depois com as penas pardas; cortam-lhes as sobrancelhas; dançam em roda deles, amarrando-os bem, para que não fujam. Dão-lhes uma mulher para os guardar e também ter relações com eles. Se ela concebe, educam a criança até ficar grande; e depois, quando melhor lhes parece, matam-na a esta e a devoram. Fornecem aos prisioneiros boa comida; tratam assim deles algum tempo, e ao começarem os preparativos, fabricam muitos potes especiais, nos quais põem todo o necessário para pintá-los; ajuntam feixes de penas que amarram no bastão com que os hão de matar. Trançam também uma corda comprida a que chamam Massurana [Mussurana], com a qual os amarram na hora de morrer. Terminados todos os preparativos, marcam o dia do sacrifício. Convidam então os selvagens de outras aldeias para aí se reunirem naquela época. Enchem todas as vasilhas de bebidas e, um ou dois dias antes qye as mulheres tenham feito essas bebidas, conduzem o prisioneiro uma ou duas vezes pela praça e dançam ao redor dele. Reunidos todos os convidados, o chefe da cabana lhes dá as boas vindas e lhes diz: “Vinde ajudar agora a comer o vosso inimigo”. Dias antes de começarem a beber, amarram a mussurana ao pescoço do prisioneiro. No mesmo dia, pintam e enfeitam o bastão chamado Iwera Pemme, com que o matam (...). Tem este mais de uma braça de cumprido e o untam com uma substância que gruda. Tomam então cascas pardas de ovos de um pássaro chamado Mackukawa, e moem-nas até reduzi-las a pó, que esfregam no bastão. Uma mulher, então, risca figuras nesse pó aderente ao bastão e, enquanto ela desenha, as mulheres todas cantam ao redor. Uma vez pronto o Iwera Pemme com os enfeites de penas e outras preparações, penduram-no em uma cabana desocupada e cantam ao redor dele toda a noite. Do mesmo modo pintam a cara do prisioneiro, e enquanto uma das mulheres o está pintando, as outras cantam. E logo que começam a beber, levam o prisioneiro para lá, bebem com ele e com ele se entretêm. Acabando de beber, descansam no dia seguinte; fazem depois uma casinha para o prisioneiro, no lugar onde ele deve morrer. Ali fica ele durante a noite, bem guardado. De manhã, antes de clarear o dia, vão dançar e cantar ao redor do bastão com que o devem matar. Tiram então o prisioneiro da casinha e a desmancham, para abrir espaço; amarram a mussurana ao pescoço e em redor do corpo do paciente, esticando-a para os dois lados. Assim ele fica no meio, amarrado, e muitos deles a segurarem a corda pelas duas pontas. Deixam-no assim ficar por algum tempo; dão-lhe pedrinhas para ele arremessar sobre as mulheres que andam em roda ameaçando devorá-lo. Estão elas então pintadas e prontas para, quando o prisioneiro estiver reduzido a postas, comerem os quatro primeiros pedaços ao redor das cabanas. Nisto consiste o seu divertimento. Isto pronto, fazem um fogo cerca de dois passos do prisioneiro, para que este o veja. Depois vem uma mulher correndo com o Iwera Pemme; vira os feixes de penas para cima; grita de alegria e passa pelo prisioneiro, para que este o veja. Feito isto, um homem toma da clava; dirige-se para o prisioneiro; para na sua frente e lhe mostra o cacete para que ele o veja. Enquanto isso, aquele que deve matar o prisioneiro vai com uns 14 ou 15 dos seus e pinta o próprio corpo de pardo, com cinza. Volta, então, com os seus companheiros para o lugar onde está o prisioneiro, e aquele que tinha ficado em frente deste lhe entrega a maça. Surge agora o principal [chefe] das cabanas; toma a clava e a enfia por ente as pernas daquele que deve desfechar o golpe mortal. Isso é por eles considerado uma grande honra. De novo, aquele que deve matar o prisioneiro pega na clava e diz: “Sim, aqui estou, quero te matar, porque os teus também mataram a muitos dos meus amigos e os devoraram”. Respondelhe o outro: “Depois de morto, tenho ainda muitos amigos que de certo me hão de vingar”. Então desfecha-lhe o matador um golpe na nuca, os miolos saltam e logo as mulheres toma o corpo, puxando-o para o fogo; esfolam-no até ficar bem alvo e lhe enfiam um pauzinho por detrás, para que nada lhe escape. Uma vez esfolado, um homem o toma e lhe corta as pernas, acima dos joelhos, e também os braços. Vêm então as mulheres; pegam nos quatro pedaços e correm ao redor das cabanas, fazendo um grande vozerio. Depois, abrem-lhe as costas, que separam do lado da frente, e repartem entre si; mas as mulheres guardam os intestinos, fervem-nos e do caldo fazem uma sopa que se chama moquém, que elas e as crianças bebem. Comem os intestinos e também a carne da cabeça; os miolos, a língua e o mais que houver são para as crianças. Tudo acabado, volta cada qual para sua casa levando o seu quinhão. Aquele que foi o matador ganha mais um nome, e o principal das cabanas risca-lhe o braço com o dente de um animal feroz. Quando sara, fica a marca; e isto é a honra que tem. Depois tem ele, no mesmo dia, de ficar em repouso, deitado na sua rede e lhe dão um pequeno arco e uma flecha para passar o tempo atirando em um alvo de cera. Isto é feito para que os braços não fiquem incertos, do susto de ter matado. Tudo isto vi e presenciei. [Extraído de: STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Rio de Janeiro: Officina Industrial Graphica, 1930, p. 160-168.] 

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