Revolta em países árabes evidencia surgimento de forças políticas locais, dizem especialistas
A crescente onda de revoltas populares em países árabes, reivindicando melhoria nas condições de vida e maior liberdade política, pode se refletir no enfraquecimento da influência das potências ocidentais e no surgimento de forças políticas locais, dizem especialistas. Há agitações populares na Tunísia e Egito, bem como na Argélia, Jordânia e Marrocos.
As perspectivas de novos levantes contra governos ditatorias começam a traçar um outro futuro nos países árabes. Depois de a Tunísia ter as ruas tomadas por populares que lograram a derrubada de Zine El Abidine Ben Ali – no poder há 23 anos –, agora foi a vez de o Egito enfrentar violentos protestos pela saída de Hosni Mubarack, que já tem mais de 30 anos à frente do país.
Mesmo constatando que a realidade política e social dos países com iminentes movimentos sociais seja distinta, os especialistas concordam que há um novo elemento que forma um cenário semelhante: a insatisfação da sociedade com as condições de vida, de emprego, do preço dos alimentos e, ainda mais evidente, com a durabilidade dos governos autoritários.
Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que há o surgimento de um novo perfil entre as forças que controlam os países árabes. Ele aponta o perfil como uma oposição à dualidade dos regimes, que tem, de um lado, as ditaduras e, de outro, os radicais – associado por países como os Estados Unidos ao terrorismo. Nasser acredita que estas forças podem não chegar ao poder, mas evidenciam uma tendência importante.
“Essa tendência no Ocidente chamamos de classe média. Aquela que luta pelo fim do desemprego e por liberdade política, mas ao mesmo tempo obtém informações pelos meio de comunicação e redes sociais na internet. Aí está um novo perfil”, explica Nasser.
Assim como ocorreu na Tunísia, os egípcios se manifestaram a favor das revoltas pelas mídias sociais. Mensagens que circularam no Twitter e no Facebook – como “Ontem todos éramos tunisianos, hoje todos somos egípcios e amanhã todos seremos livres” – espalharam-se entre internautas que manifestavam insatisfação. Na terça-feira (25), páginas de algumas das redes sociais já encontravam-se inacessíveis no Egito.
Para Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o uso dessas ferramentas pelos movimentos democráticos é importante para que se comece a criar uma cultura de troca de ideias. Porém, ela lamenta que em alguns países com regime ainda mais fechado a maioria da população não tenha acesso a essas ferramentas e, portanto, fica sem ter conhecimento sobre as manifestações.
Para a professora, há um enfraquecimento das potências ocidentais sobre a política de países árabes. As evidências partem da constatação de que a posição adotada pelos governos dos Estados Unidos e da União Europeia não seja mais visto como regra. Os exemplos citados por Cristina Pecequilo são a relação da França com Argélia e Tunísia, e a dos Estados Unidos com o Egito.
“Para os Estados Unidos é mais seguro o Egito com um governo moderado no poder do que um Egito que de repente tenha eleições livres ou que tenha no poder um grupo fundamentalista islâmico. Embora eles (EUA) tenham discurso pró-democracia, o interesse é praticar sua política internacional”, critica Cristina Pecequilo.
Na terça-feira (25), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em seu discurso ao Estado da União afirmou que os norte-americanos estão ao lado do povo tunisiano, “onde a vontade do povo se provou mais poderosa que as ordens de um ditador”. No entanto, Obama não fez referência ao Egito, onde as manifestações também tomaram as ruas contra o ditador Mubarak, que é aliado de Washington.
Para Nasser, a eventual troca de regime em Cairo é muito mais significativa que em Túnes, pelo fato de o Egito ser considerado pelos Estados Unidos como uma peça-chave da região. “Por ser um país poderoso militarmente e que tem diálogo com Israel, a troca de governo no Egito é mais improvável. (O governo atual) vai contar com apoio internacional, já sinalizado por Obama, que não foi muito entusiasta dos movimentos, por apoiar governos como do Egito e de outros países há muito tempo”, ressaltou o professor.
Extraído da revista Carta Capital.
Extraído da revista Carta Capital.
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